A 2ª turma do STF vem de decidir por maioria que na sucessão hereditária ou nas doações incide tributação sobre ganho de capital verificado na diferença positiva entre o valor atribuído no inventário ou na escritura de doação aos bens ali constantes em confronto com o valor constante na declaração de bens do de cujus ou do doador.
Esta decisão diverge de acórdãos da 1ª turma do mesmo STF, como aquele expresso no ARE 1387761 Agr. julgado em 22.02.2023 e publicado em 11.03.2023, e ainda de cisões de TRFs, além de se confrontar com opiniões doutrinárias de peso.
Não se pode perder de vista que o tributo ali tratado é denominado imposto sobre ganho de capital , mas não é ele senão uma das hipóteses do imposto de renda. Assim sendo e ele inafastável das suas matrizes constitucionais explicitadas no código tributário nacional, mais precisamente no artigo 43 deste, seus incisos e parágrafos.
Ali verificamos que, para haver a ocorrência do imposto, é preciso que ocorra a aferição de “renda”, essa acertada na verdadeira expressão legal como o produto “do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos”, e ainda os proventos de qualquer natureza, tratados como outros acréscimos patrimoniais não qualificados como derivados do capital ou do trabalho.
Em suma, se não houver aferição de renda, não se pode falar na incidência legal do imposto de renda. E se não acontecer um acréscimo patrimonial, não se encontra cabimento para o tributo.
Neste sentido, o próprio STF, de modo unanime no RE 117.887-6/SP, já prescreveu na conceituação da hipótese de incidência do tributo que “renda e proventos de qualquer natureza significa sempre acréscimo patrimonial”, e na ocasião o relator ministro Carlos Velloso expressou: “não me parece possível a afirmativa no sentido de que possa existir renda ou proventos sem que haja acréscimo patrimonial”.
Nessas hipóteses ou de sucessão hereditária ou de doações, o espólio ou o doador não experimentam nenhum acréscimo, pois é do flagrante natureza desses fenômenos jurídicos que se observa ali um decréscimo patrimonial, pois que os bens e valores estão sendo repassados a terceiros.
Diferença na valorização do acervo patrimonial
E preciso uma cabriola interpretativa para atribuir a quem está transferindo, não recebendo patrimônio, uma incidência tributária supostamente arrimada naquela diferença na valorização do acervo patrimonial. A pretensão fazendária usa do raciocínio falacioso de que não se estaria tributando doação ou herança, mas sim apurando um ganho de capital que já haveria ocorrido e somente ali na sucessão aferido.
O argumento foge do elemento central desse imposto que, chamado de imposto sobre ganho de capital, nada mais é do que uma das expressões legais do imposto de renda.
Quando alguém vende um imóvel e experimenta um acréscimo no seu preço de venda comparativamente ao seu declarado custo de aquisição, este alguém se sujeita ao imposto de renda sobre o chamado ganho de capital, já que está desfrutando de uma renda adicional, que repercute o acréscimo verificado no seu patrimônio. Renda, pois, no quadro legal brasileiro, é um ganho econômico aproveitado, usufruído pelo contribuinte.
E para que este fenômeno, essa hipótese de incidência surja, e seja aplicado o tributo, é imprescindível que o contribuinte, aquele sobre o qual incorre o imposto, experimente e desfrute de um acréscimo no seu patrimônio.
Afinal, a renda de que trata o imposto, o mais conhecido e famoso dos impostos modernos, tem o seu óbvio substrato no aproveitamento pelo dado contribuinte daquele ganho patrimonial.
E é notório que o doador ou o espólio do de cujus não aproveitam nem desfrutam em nada daquela possível valorização do bem que está sendo transferido.
Na verdade, não há nesses eventos de doação ou sucessão hereditária acréscimo patrimonial do doador ou do espólio, ocorrendo na verdade um decréscimo referente aos bens transferidos, não havendo ensejo para a tributação como se tal houvesse.
Não nos parece assim que possa se cogitar de incidência de imposto de renda (pois é disso que se fala quando se reporta a ganho de capital) sobre fatos econômicos/ jurídicos, como é o caso das doações ou das sucessões hereditárias, onde o objetivado contribuinte (o doador ou o espólio) não desfruta de nenhuma renda para ser objeto do imposto.
Por João Luiz Coelho da Rocha, advogado sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados e professor de Direito da PUC-RJ.